sábado, 30 de outubro de 2010

Conto sobre o poeta-mor


Boca com sabor de manga, calça com a cor de morangos. Sentou, pegou seus textos e começou a lê-los, não por gostar do que escrevia, mas por sentir que tudo aquilo que jazia nas folhas era algo passado, exorcizado, jogado fora do coração, para os ventos de quem um dia iria ler aquelas palavras e nunca, nunca, jamais, conseguir interpretá-las do modo como queria. Deveria ser por isso, ou pelo simples fato de ser tímido, que evitava falar com os fãs; não suportava ser questionado sobre um possível duplo sentido em uma frase ou ter que explicar o sarcasmo de algum texto.
Era tido como ignorante, marrento, porém no fundo concentrava um quê de bom que não queria mostrar pra ninguém por medo de ser interpretado como romântico. Ele era romântico, é verdade, mas ser chamado de romântico pelos outros subentendia que era também um sofredor, e depois de tanto sofrer era esta imagem que não queria mais mostrar. Preferia aquela imagem decadente e superior que tinha agora, de fumante bebedor e sedutor das menininhas. Esta imagem de anjo pornográfico, meio Bukowski, que o deixava mais forte, confiante.
Não escrevia sobre as estrelas da Califórnia ou sobre os prazeres de se estar apaixonado. Escrevia sobre tiros nos ombros ou sexo em locais públicos. Talvez pensasse que ao escrever sobre o amor este também iria sair da sua vida e isso, só isso, só o amor, era o que realmente buscava.Queria amar, queria casar, ter filhos, ensinar-lhes a tocar os instrumentos musicais que nunca conseguiu aprender, queria ir ao teatro e no meio da peça se declarar a amada, queria poder beber e no auge da loucura resultante de tanto whisky atacar a sua esposa no meio da noite.E literalmente morrer de amor.

Um comentário:

Anônimo disse...

Perfeito. Perfeito, meu bem, perfeito.